COLUNISTA
Vanessa Pio
Administradora de profissão, Mariana por devoção e do lar de coração
UM OLHAR ATENTO
A dormência fatal
por Vanessa Pio
21/08/2019
No artigo anterior, incentivei o leitor a investigar sua comunidade em busca de evidências de elementos da agenda transgênero no ambiente, partindo de uma entrevista dada por Maria Keffler, uma mãe americana que acidentalmente e talvez tarde demais, descobriu não só a presença, mas o quão avançado estava o esforço de sensibilização para suas abordagens, que àquela altura já pretendia alcançar crianças a partir de quatro anos de idade.
Nesse artigo trago a difícil experiência de Jay Keck, pai americano de Chicago e que desde 2016 lida com o estranho e súbito transgenderismo de sua filha.
Antes, cabe um esclarecimento.
O que pais como Keck vêm enfrentando no exterior, são a culminação de um processo lento e constante de discussões entre intelectuais e cientistas europeus iniciadas na segunda metade do século XIX e que assumiram um caráter de agenda global em 1995 na Conferência de Pequim. Atualmente é possível rastrear, nesse horizonte de quase 170 anos, como tais debates converteram-se em transformações sociais, os métodos empregados e agentes responsáveis. Através de uma avaliação de constantes e padrões, um analista consegue antecipar desenvolvimentos regionais e traçar contingências, considerando os fatores que orbitam o status atual do problema, como a cultura e os costumes.
Nos Estados Unidos de Maria Keffler e Jay Keck, experiências de campo voltadas para gênero vêm sendo conduzidas há muito mais tempo que no Brasil. A primazia do infortúnio permite analisar casos reais e antecipar ao brasileiro ameaças que em algum momento no futuro terá de enfrentar, na expectativa de poupá-lo do sofrimento e da angústia impotente experimentada por Jay Keck.
Enquanto você lê esse artigo, tenha em mente que há um processo em andamento em escala mundial, com compassos distintos em cada país. Eu o vejo claramente no Brasil. Outros o percebem pontualmente, quando seus sinais ameaçadores subitamente tornam-se muito evidentes, provocando respostas puramente reativas, descoordenadas e contingenciáveis. Reações que evanescem à medida que o nível de percepção da ameaça reduz, até que o próximo susto acione o botão vermelho e o pânico se instale novamente.
Observei esse padrão se repetindo na visita de Judith Butler, no Queermuseum, no peladão do MAM, na criminalização da homofobia no Supremo Tribunal Federal e no dramático desfecho de uma vida de crueldade e abuso sofrido pelo menino Rhuan Maicon da Silva Castro. Se eu observei e analisei a reação da opinião pública brasileira, saiba que cientistas e pesquisadores a serviço da agenda fizeram o mesmo, de modo a prever respostas a estímulos futuros e desenvolver mecanismos de aceitação mais eficientes. Considerando, apenas citar um aspecto, que não temos canais de difusão de informação de massa que tragam a verdade sobre o fenômeno e seus riscos numa linguagem acessível ao cidadão comum, aqui reside uma das incontáveis vulnerabilidades da sociedade brasileira.
Não seja a vítima inerme. Não espere que o sequestro afetivo e cognitivo atinja um membro da sua família, como aconteceu com Jay Keck, que não se ateve aos sinais bastante perceptíveis da ameaça e só os notou quando estavam diante dele, em seu próprio lar.
Segue o relato em tradução integral livre:
Por Jay Keck, publicado em 12 de agosto de 2019
Em abril de 2016, minha filha com então 14 anos tornou-se convencida de que era meu filho. Cada tentativa minha de ajudá-la foi minada pela escola pública onde estudava.
Ao longo da infância de minha filha, não houve sinais de que ela queria ser um menino. Ela amava animais de pelúcia, a Pocahontas e vestir trajes de banho coloridos. Não consigo lembrar um único interesse que parecesse incomumente masculino, ou qualquer evidência de que ela estivesse desconfortável enquanto menina.
A única dificuldade que ela tinha era formar e manter amizades. Mais tarde soubemos o porquê: ela estava no espectro autista. Ela era muito funcional e ia bem na escola, auxiliada pelo PEI - Programa de Educação Individualizada (2), prática comum para estudantes de escolas públicas que precisam de educação especial.
No ensino médio, minha filha aproximou-se de uma garota que recentemente havia se assumido como transgênero. Logo após conhecê-la, minha filha declarou que ela, também, era um garoto preso ao corpo de uma garota e escolheu um novo nome masculino.
Nossa escola manteve os pais no escuro
Ela primeiro se assumiu transgênero na escola, e quando anunciou que era um garoto, docentes e funcionários – que tinham total conhecimento de seus desafios em saúde mental – a ratificaram. Sem dizer a mim ou a minha mulher, eles a tratavam pelo novo nome. Eles tratavam minha filha como se fosse um garoto, usando pronomes masculinos e lhe dando acesso a um banheiro para gênero neutro.
Quando eu e sua mãe descobrimos, nossos sentimentos de desamparo e espanto fizeram com que fosse muito difícil passar por isso a cada dia. Mas eu sinto que minha filha é uma vítima mais que qualquer outro.
Numa reunião do PEI, logo após ter-nos dito sobre ser um garoto, eu avisei a escola que nossa vontade era que a chamassem pelo nome legal todas as vezes. A assistente social presente na reunião declarou que temos o direito de fazer essa solicitação, então presumi que os funcionários seguiriam nossa diretiva. Na sequência encaminhei um e-mail, mas mais tarde soube que minha solicitação foi ignorada e os funcionários da escola continuavam a referir-se a ela pelo nome masculino.
Nós nos encontramos com o assistente do superintendente do distrito escolar, que nos disse que as mãos do pessoal da escola estavam atadas e que eles tinham de seguir a lei. Mas não havia lei, apenas a carta Caros Colegas (3) de maio de 2016 na administração Obama que dizia que as escolas precisavam oficialmente afirmar estudantes transgênero. Apenas três meses mais tarde, em agosto de 2016, um juiz federal no Texas bloqueou as diretrizes de serem aplicadas. Em fevereiro de 2017, a administração Trump aboliu a era Obama das diretrizes, deixando que cada estado definisse suas próprias políticas.
Eu também soube que a UALC - União Americana das Liberdades Civis (4) tinha enviado cartas ameaçadoras para escolas declarando que era contra a lei divulgar a identidade de gênero dos alunos, mesmo aos pais. Mas essa carta parecia dar uma má interpretação a uma lei federal. A Lei Federal de Direitos Educacionais da Família e Privacidade (5) exige que escolas permitam aos pais “inspecionar e revisar” os registros educacionais de seus filhos enquanto a criança for menor de dezoito anos. Minha filha me disse que o assistente social da escola a estava aconselhando sobre casas de recuperação porque pensou que nós não a apoiávamos. O assistente social confirmou isso quando agendei uma reunião com ele para discutir isso. Isso parecia uma tentativa horrível de encorajar nossa filha a fugir de casa. Tivemos nossa filha avaliada por um psicólogo aprovado pelo distrito escolar. Ele nos disse que estava muito claro que a súbita identidade transgênero de nossa filha foi conduzida por sua subjacente doença mental, mas apenas dividiria seus pensamentos extraoficialmente porque temia a potencial repercussão que receberia. No relatório que enviou a nós e à escola, não incluiu essas preocupações que dividiria conosco apenas pessoalmente.
Uma epidemia política nacional
Nas minhas tentativas ao longo dos últimos anos em obter ajuda para minha filha, o que aprendi me chocou.
A Associação Nacional de Educação (6) fez parceria com a Fundação Iniciativa de Direitos Humanos (7) e outros grupos para produzir materiais em defesa da afirmação automática de identidades, mudança de nomes e pronomes, independente da preocupação dos pais. Em dezoito estados e no distrito de Columbia, incluindo o estado onde vivo, Illinois, existem proibições de terapia de conversão, o que evita os terapeutas de questionar a identidade de gênero de uma criança. Não surpreende que o terapeuta da minha filha falaria comigo apenas extraoficialmente.
Algumas agências, como o Departamento Estadual de Educação de Nova Jérsei, alerta os distritos escolares para estarem atentos a disputas entre crianças e seus pais sobre identidade de gênero. O Guia do Estudante Transgênero do departamento encaminha os educadores à página na web para informar Abuso Infantil, Negligência e Crianças Desaparecidas, sugerindo que os funcionários da escola podem ser encorajados a denunciar pais se discordarem com a transição de seus filhos.
Quando pais estão dispostos a prosseguir com a transição de seus filhos, o processo pode se mover num compasso assustador. Médicos da Sociedade de Endocrinologistas reescreveram as diretrizes para tratar pacientes jovens que digam ser transgêneros de forma a dar tratamentos hormonais para jovens abaixo de dezesseis anos. Ainda mais preocupante, cirurgias como mastectomias e orquiectomias (a remoção dos testículos) são realizadas em adolescentes.
Pais têm medo de falar
Por tudo isso, aprendi que não estou sozinho. Muitos pais, assim como eu e minha esposa frequentemente tem medo de falar porque nos chamam de intolerantes transfóbicos, simplesmente porque não acreditamos que nossas crianças nasceram nos corpos errados.
Quando nossa filha retornou à escola para terminar o último ano, contatei o diretor para avisá-lo que esperava que o nome legal dela fosse usado na formatura. Mais uma vez, a escola recusou honrar minha solicitação.
Agora, graças em grande parte a escola da minha filha, ela está mais convencida que nunca de que é um garoto, e que a testosterona pode ser necessária para que ela se torne seu autêntico eu.
Ela fez dezoito anos em junho passado e mudanças definitivas, como as perigosas injeções de testosterona estão a apenas a um “termo de consentimento” de distância. Ela pode recorrer a qualquer uma das dezessete clínicas da Planned Parenthood (8) em Illinois para obtê-las de forma fácil e barata. Nenhuma longa avaliação de saúde mental será exigida e não haverá nada que eu possa fazer para impedi-la.
***
Tenho visto como se tornou comum no exterior crianças e adolescentes autistas serem diagnosticados transgênero. Investigando os protocolos para avaliação, é chocante verificar a rapidez com que psicólogos o fazem, alguns deles, como o próprio Jay relata em seu testemunho, conscientes da fragilidade do diagnóstico. Há razões para isso, que vão desde o medo da pressão dos pares, do assassinato de reputação, do assédio judicial, da perda de licença profissional, o comprometimento financeiro e até filiações político-ideológicas. Tais diagnósticos precipitados ocorrem também em crianças e adolescentes confusos e traumatizados, que precisam de terapia, mas são condenados a experimentar a transição. Nos Estados Unidos existem estados com legislação proibindo a terapia de conversão. A coisa beira o macabro se considerarmos que um diagnóstico mal feito pode resultar em mutilação genital e esterilização.
A escola pública americana foi infiltrada por ONG’s que ao longo dos anos foram responsáveis pela redação do material didático e do treinamento dos professores via distritos escolares para implementar o currículo abrangente (9), sob a justificativa de auxiliar na prevenção de DST’s, evitar a gravidez precoce, violência sexual, uso de drogas e combate ao preconceito contra minorias identitárias. Naturalmente ONG’s e grupos de pressão associados fizeram um trabalho longo e persistente de lobby junto a parlamentares para que fossem votadas leis que amparassem não apenas a educação sexual obrigatória nas escolas, que em alguns casos impede os pais de exercerem o direito de que suas crianças não assistam essas aulas, mas também a proibição da terapia de conversão. Para tanto, o combate ao preconceito num contexto de luta por direitos civis e igualdade, foi o guarda-chuva ideal. Qualquer um que se posiciona contrário automaticamente é convertido inimigo dos direitos humanos e exposto a humilhação pública. A psicologia do comportamento, não se engane, é diuturnamente empregada para confundir, inibir e enganar os resistentes. Aqui está um dos campos que agendas de controle cognitivo-comportamental têm pleno domínio. Para eles, somos seus ratinhos.
Voltando a educação sexual obrigatória, foi a fresta por onde entraram primeiramente o empoderamento feminino x a emasculação, seguida da quebra de estereótipos sexuais, a troca de sexo por gênero, o consentimento para a intimidade, a obtenção e a satisfação sexual de parceiros homo e heterossexual, o aborto para menores e hoje, o conceito de gênero fluído, acrescentando ao argumento da luta pelos direitos humanos a alegação de que o esclarecimento dos alunos torna o ambiente escolar mais seguro e inclusivo. A presença dessas entidades geralmente é apoiada por grupos de pais sensíveis e engajados. Os pais que não fiscalizam a escola dão autorização tácita para que suas crianças e jovens assimilem novos valores e princípios que conflitam e substituem o que aprenderam com a família.
Para ampliar a compreensão da realidade americana, é preciso considerar o debate a respeito dos direitos civis iniciado nos anos 1950, as pautas nele enxertadas desde então, o gigantesco e ininterrupto debate popular conduzido por grandes órgãos de mídia. O atual nível de sensibilização, isto é, encarar a promoção do transgenderismo e da agenda LGBT como um processo normal e não estimulado e que resulta da luta por igualdade e afirmação, explica o envolvimento de uma parcela de pais defendendo pautas comportamentais e não-cognitivas na vida escolar de seus filhos. Estimo que estejam na quarta geração de pais engajados.
A longevidade, a constância e o controle daquilo que pode ou não ser dito nesse debate explicam, ainda, a dormência de grande parcela da sociedade. Milhões de pais, tios, avós testemunham a constituição de uma nova norma fundamentada na indução ao enlouquecimento e equivocadamente a classificam como ‘coisa da modernidade’.
Pergunte-se com sinceridade: você também não está dormente? Não tem notado nada estranho nos produtos culturais de massa, no que é promovido pela mídia como exemplo de superação, sucesso e felicidade?
Enquanto há dormência, grupos de pressão se formam e se fortalecem. Notou que no relato de Keck, uma entidade ‘defensora da liberdade’ valeu-se da intimidação e da trapaça para induzir profissionais do ensino a esconder dos pais informações sobre os próprios filhos? Percebeu que os terapeutas em alguns estados são obrigados por lei a transicionar seus pacientes sem uma investigação cuidadosa, porque enquanto alguém dormia, outros trabalhavam pela aprovação de leis que sob a camuflagem de combater preconceito e discriminação, impedem o tratamento adequado ao real sofrimento do paciente?
Reparou que uma simples correspondência da administração Obama, que não tinha força de lei, foi suficiente para dificultar que um pai protegesse sua filha? Os símbolos de autoridade são usados para esmagar qualquer um que coloque o menor senão. Os operativos da agenda estão confiantes, contam com uma rede de interproteção que lhes dá estímulo, respaldo e recompensa, fatores que também foram estudados exaustivamente por laboratórios comportamentais de forma a desenhar uma estratégia de aplicação dos testes de campo mais eficiente.
Quanto mais longa a dormência, maior o risco de fatalidade.
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(1) Original disponível em https://www.usatoday.com/story/opinion/voices/2019/08/12/transgender-daughter-school-undermines-parents-column/1546527001/?fbclid=IwAR0rFEPE8bcCn6HzVDTbGcQ_gQqLDghqJphWOGEzHbTJTOjTVkikfbvTZEE
(2) NT: IEP – Individualized Education Program.
(3) NT: Dear Colleagues. Correspondência publicada em 13 de maio de 2016 e assinada pelas divisões de Direitos Civis tanto do Departamento de Justiça e como do Departamento de Educação Americano contendo um guia para tratar transgêneros em ambiente escolar, de modo a combater a discriminação e o preconceito. A repercussão na imprensa da época a tornou mais conhecida como ‘a política dos banheiros trans de Obama’.
(4) NT: ACLU – American Civil Liberties Union.
(5) NT: Family Educational Rights and Privacy Act.
(6) NT: National Education Association.
(7) NT: Human Rights Campaign Foudation.
(8)Rede de clínicas de aborto americana que também oferece treinamento de professores para adequar-se ao currículo abrangente.
(9) NT: Comprehensive sexual education curricula.
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